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Um casal formado por dois empresários LGBTQIA+ irá acionar o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) na Justiça após o órgão negar a um deles a concessão do salário-maternidade, benefício previsto para pessoas que se afastam do trabalho por causa do nascimento de um filho.
André Tonanni, 37, e Helio Heluane, 45, são pais de um bebê de três meses, concebido por meio de fertilização in vitro e gestado em barriga solidária. O material genético dos dois foi utilizado durante o processo.
Helio decidiu se afastar das atividades laborais para cuidar da criança e, como contribuinte, recorreu à Previdência para ter acesso ao salário. Após enviar uma série de documentos, no entanto, sua solicitação foi negada na última semana.
"Somos contribuintes há muitos anos e, na hora de ter esse benefício, nos vimos totalmente desamparados. Perante o governo, a nossa composição familiar não existe", lamenta Helio Heluane.
Do INSS, ele ouviu que seu caso não se encaixava nas condições previstas para a concessão do salário-maternidade, que também contempla mulheres que passam por "aborto não criminoso" e pessoas que adotam.
Procurado pela coluna, o órgão afirmou que segue o que está previsto na legislação e que "não há, até o momento, previsão legal para concessão de salário-maternidade a pessoa do sexo masculino para parto ocorrido através de barriga solidária".
"Para ter direito ao benefício dentro da norma atual, seria necessário que o segurado apresentasse um termo de guarda da criança e, além disso, comprovasse o afastamento das atividades remuneradas após o fator gerador (nascimento da criança) —situação que não ocorreu", disse ainda.
O casal, porém, apresentou uma certidão de nascimento em que constam os nomes dos dois. À coluna, André e Helio ainda afirmam que não foi solicitado, em nenhum momento, qualquer tipo de comprovante de afastamento de atividades remuneradas.
Questionado novamente, o INSS não respondeu por que exigiu um termo de guarda diante da existência de uma certidão de nascimento. Tampouco esclareceu, até a publicação deste texto, se, de fato, foi solicitado um comprovante de afastamento do trabalho ao empresário.
Além da negativa, Helio relata ter ouvido perguntas e afirmações inconvenientes ao longo do processo de requerimento do salário-maternidade, como "quem é a mãe?", "como nasceu?" e "não consigo encaixar vocês no sistema". Por vezes, teve que explicar que se tratava de um filho biológico, ainda que tenha sido gestado em uma barriga solidária.
O método, permitido no Brasil, não gera retorno financeiro para quem cede o útero e é muito utilizado pelo público LGBTQIA+ e por heterossexuais com questões de fertilidade.
"Para ter o filho, já foi uma batalha. Agora, enfrentamos outras", afirma André Tonanni, marido de Helio. Ele conta que, antes do nascimento do filho do casal, foram realizados oito procedimentos de fertilização in vitro, dois dos quais resultaram em abortos espontâneos.
Com a realização do parto, houve um novo problema: o plano de saúde não quis reembolsar os gastos hospitalares tidos com o nascimento. Após ser acionado na Justiça, o convênio propôs um acordo.
Apesar das dificuldades e de todos os questionamentos, André se diz motivado a reivindicar seus direitos enquanto um pai LGBTQIA+ e a mostrar que as composições familiares estão mudando. "Estamos construindo um mundo para que meu filho tenha outras lutas. Essa pode deixar que a gente toca", diz.
Ele afirma que pretende mobilizar outros pais que passaram pela mesma situação que a sua para tentar apresentar à Justiça uma ação de classe. "Meu interesse não é só 'ganhei o meu processo e o auxílio-maternidade, vida que segue'. Não, porque o país não mudou, a lei não mudou e o INSS não mudou. Eu quero mudar a lei", diz.
No Instagram, um perfil em que o casal relata a sua rotina de pais de primeira viagem já acumula 145 mil seguidores. No TikTok, os números da conta "2 Papais" são ainda mais expressivos: há 3,7 milhões de curtidas e 246 mil seguidores.
"As pessoas vêm até nós pela curiosidade de ver uma configuração familiar diferente", diz Tonanni. "A gente põe a cara mesmo. Temos recursos e somos pessoas privilegiadas, e eu acredito que é uma responsabilidade que o mundo nos proporciona de levantar essa bandeira e trazer informações."